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Cláusula de Não Concorrência em Arranjos Societários: Fundamentos, Limitações e Compensação

  • Foto do escritor: Braga & Garbelotti
    Braga & Garbelotti
  • há 17 horas
  • 4 min de leitura

Samuel Souza Rodrigues

 

A cláusula de não concorrência desempenha um papel fundamental nos arranjos societários, assegurando proteção aos interesses estratégicos das sociedades empresárias e tendo como principal objetivo evitar que ex-sócios concorram diretamente com a empresa após deixar seu quadro societário, resguardando o know-how da sociedade, a clientela e a posição competitiva do negócio.


Amplamente utilizada, tal cláusula precisa observar limites jurídicos para que não sejam consideradas abusivas ou restritivas à livre concorrência, além de ter, como aspecto central, a previsão de compensação financeira ao sócio  vinculado à restrição, fator que impacta diretamente sua validade e eficácia.

 

No Brasil, a validade da cláusula de não concorrência encontra respaldo no Código Civil, especificamente no artigo 1.147, que trata da vedação à concorrência desleal em contratos de trespasse. Além disso, a sua aplicabilidade pode ser fundamentada na liberdade contratual e na necessidade de proteção dos investimentos feitos pela sociedade.

 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu alguns critérios essenciais para a validade da cláusula, entre eles: (i) Delimitação temporal – A restrição deve ser estabelecida por um período razoável, geralmente variando entre seis meses e cinco anos, dependendo do setor de atuação e do nível de acesso à informação estratégica. Restrições permanentes ou excessivamente longas tendem a ser consideradas abusivas e nulas; (ii) Delimitação territorial – A restrição à concorrência deve ocorrer apenas dentro da área geográfica em que a empresa atua. Restrições globais ou desproporcionais podem ser contestadas; (iii) Necessidade de proteção do interesse empresarial – Deve visar a proteção de informações estratégicas ou da clientela da empresa. Não pode ser usada apenas como mecanismo de exclusão de concorrentes sem um fundamento legítimo; (iv) Compensação financeira – Trata-se da contrapartida financeira proporcional ao tempo e à abrangência da restrição à livre concorrência, ou seja, visa indenizar o ex-sócio que sofreu limitação ao exercício de sua atividade profissional.

 

A existência ou não de contrapartida financeira pode alterar substancialmente a validade da cláusula. No contexto societário, a jurisprudência também tende a exigir uma justificativa plausível para a ausência de compensação, visto que, por vezes, o ex-sócio estará impedido de explorar o único negócio que conhece. Do contrário, havendo previsão de pagamento, argumenta-se pela validade da cláusula, pois o indivíduo afetado pela restrição recebe um valor que, teoricamente, o ajudaria a se sustentar durante o período em que não poderá atuar no mesmo mercado da sociedade da qual saiu.

 

Definir o valor da indenização pela não concorrência em operações societárias é de suma importância, inclusive porque tal quantia deve guardar proporcionalidade entre a restrição que se pretende e o impacto gerado na capacidade do ex-sócio de gerar renda. Dentre os critérios usados para medir o quantum da indenização, valem destaque: (i) Participação nos Lucros e Dividendos – O acordo de sócios pode prever que o ex-sócio receba um percentual dos lucros para o qual contribuiu antes de sair da empresa, estabelecendo-se uma espécie de compensação à limitação estabelecida pela sociedade ao seu direito de empreender; (ii) Faturamento da Empresa – Em alguns casos, o valor da indenização pode ser calculado considerando o faturamento da empresa no período anterior à saída do sócio, refletindo a relevância da sua atuação na companhia; e (iii) Nível de Acesso a Informações Estratégicas – Quanto maior o acesso do ex-sócio a certos segredos do negócio, tanto  maior deverá ser a compensação, como forma de incentivar que ele não venha a repassar informações confidenciais para concorrentes da sociedade.

 

Com tudo isto, a pergunta que fica é: a cláusula de não concorrência serve mais à proteção do investimento e mercado da empresa ou se presta a limitar, indevidamente, a liberdade profissional e a livre concorrência?

 

De um lado, a cláusula protege interesses legítimos da empresa ao impedir que um ex-sócio utilize conhecimentos adquiridos para competir de forma desleal, sobretudo em determinados ramos de atividade, nos quais o capital intelectual e as relações comerciais desempenham papel fundamental.

 

Por outro lado, se a cláusula não for bem delimitada, pode ser utilizada como artifício para restringir indevidamente a concorrência e impedir que ex-sócios exerçam seu ofício.

 

A solução para esse dilema está na proporcionalidade e na razoabilidade da cláusula, assegurando que ela não se torne um entrave excessivo para o mercado nem um prejuízo injustificado para os profissionais envolvidos.

 

A comprovação do descumprimento da cláusula é atividade prática trabalhosa, embora algumas medidas possam ser adotadas para minorar certos riscos, são elas: (i) Inclusão de cláusula penal, prevendo o pagamento de multa considerável em caso de descumprimento, com o fito de desestimular a concorrência indevida; (ii) Obrigações de fazer e não fazer,  exigindo-se que o ex-sócio preste declarações periódicas sobre suas atividades, garantindo maior controle sobre a execução da cláusula; e (iii) Execução judicial da cláusula, para o caso de haver a concorrência,  quando será possível pleitear judicialmente indenização por eventuais prejuízos causados.

 

Portanto, a cláusula de não concorrência é um instrumento essencial para a proteção dos interesses empresariais e do ex-sócio, devendo sua aplicação observar limites claros a fim de se conterem abusos. A compensação financeira é um fator crucial para sua validade e pode ser determinada com base em critérios objetivos, garantindo o equilíbrio entre a proteção dos negócios e os direitos dos indivíduos envolvidos.

 

E, não somente isto, mas a inclusão de cláusulas penais e mecanismos de controle podem aumentar a eficácia da restrição, evitando litígios e garantindo maior segurança jurídica para todas as partes. No final, a formulação cuidadosa dessa cláusula é fundamental para sua validade e efetividade no ambiente societário.

 
 
 
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